Por João paulo da Silva
“Isso nunca me aconteceu antes.”. Mentira. Já aconteceu,
sim. É o clichê de todo broxa. Todo homem que costuma broxar diz essa frase
quando falha. É como se ele quisesse se redimir do próprio fracasso apelando
para a indulgência tácita do primeiro erro. Mas o que o broxa ignora é a
perspicácia da mulher. A mulher odeia desonestidade. Ela sente o cheiro da
mentira no ar. Talvez não exista nada mais broxante para uma mulher do que um
homem mentiroso. Ela quer cumplicidade, e não um contador de vantagem. Por isso,
meu amigo, se broxou, fale a verdade. É melhor abrir o jogo. Dizer que ficou
ansioso; que ela é muito linda; que você esperou tanto por aquele momento e que
acabou ficando um pouco tenso. Ela vai entender. Mulheres são compreensivas com
a verdade. Posso até apostar que ela irá procurar fazer você relaxar, vai afagar
seus cabelos, chamar você de fofo e sussurrar pequenas safadezas no seu ouvido,
até a dita (dura) comparecer.
Falando
assim, pareço um especialista em alma feminina. Nem de longe. Apenas me esforço.
Na verdade, em muitas situações, procuro pensar como uma mulher, ao invés de
pensar só em mulher. É difícil. Os primitivos neurônios masculinos precisam suar
muito a camisa para acompanhar a complexidade do cérebro feminino. E não estou
sendo irônico. Falo com sinceridade. Outro dia mesmo procurei fazer um exercício
de imaginação. Comecei a pensar no que me faria broxar, se por caso eu fosse uma
mulher (não descarto a hipótese; nunca se sabe o dia de amanhã). Homem de
pochete, por exemplo, é o fim do mundo. De pochete, nem o George Clooney. De
pochete, qualquer deus grego se transforma no Beiçola, de A Grande Família. Se
eu fosse uma mulher, certamente broxaria com homens que usam cueca do
Homem-Aranha ou palitam os dentes depois de um jantar romântico. Pensar como uma
mulher, buscando antever aquilo que ela possa detestar, me ajuda a não cometer
erros quando for agir como homem.
Mas a
história do Jair e da Ana não tem nada a ver com isso. É muito mais insólita, eu
diria. Até dizem que a culpa foi dela. Não sei. Tenho minhas dúvidas. De
qualquer forma, sou suspeito para falar.
Um quarto
de motel. Na mesinha, garrafas de cerveja e pacotinhos de amendoim. Na cama, o
Jair e a Ana. Transando. Ele por cima, estilo papai e mamãe. Ela por baixo,
aguentando o peso de doze anos de casamento. Na tentativa de quebrar a rotina e
a acomodação, os dois decidiram que precisavam reacender a chama do sexo entre
eles. Dá aquela reanimada na relação, entende? E tudo estava indo até muito bem.
Troca de carícias, beijinhos, gemidos de prazer, safadezas ao pé do
ouvido.
- Tinha me
esquecido de como é bom transar com você, Aninha. Sua gostosa! Você vai ver só
uma coisa.
- Hummm...
Ai, Jair... Fala mais, vai. Fala! Não para, não.
Mas a vida
a dois coloca a gente em situações que até o capeta duvida. De repente, um
rápido barulho abafado escapa por baixo dos dois. Ambos param de se mexer. O
Jair levanta um pouco o corpo e olha para a esposa.
- Que som
foi esse?! – Ana empalidece. Em seguida, vem o cheiro.
- Que fedor
é esse?! – de pálida, a esposa muda para vermelha.
- Ana, você
soltou um pum?! Eu não acredito, meu Deus! A gente transando e você solta um
pum?!
- Foi sem
querer. Deixei escapar. Estou com gases. – diz ela, um pouco
envergonhada.
- Com
gases?! E só agora você me fala uma coisa dessas?! Quer dizer que tem mais aí
dentro?! Em doze anos de casamento, isso nunca tinha acontecido. Estou chocado,
Ana. Não acredito que você soltou um pum perto de mim... e ainda por cima com a
gente transando! – aí o Jair foi saindo de cima da
esposa.
- Qual é o
problema, Jair?! Por que todo esse drama? Por causa de um punzinho de
nada?
- Punzinho
de nada?! Você tá de sacanagem, né? Assim não tem clima pra transar, Ana. Aliás,
não tem nem atmosfera. Olha só esse cheiro! Impregnou o quarto. Isso é broxante,
Ana. Não consigo transar com uma mulher que solta pum. Perdi o
tesão.
- Larga de
ser burro, Jair. Toda mulher solta pum, da mesma forma que todo
mundo.
- Eu sei
que todo mundo solta pum, Ana. Eu passei pela escola. Mas não aceito que
mulheres soltem pum. É um erro da natureza. Devia ser proibido por
lei.
- E que
besteira é essa agora?! Quer que a gente morra entupida?! Ficou doido? Proibir
mulher de soltar pum?! Que ideia mais machista, Jair.
- É isso
mesmo. Pum não é direito civil, Ana. Mulher não deveria soltar pum. Pum é
nojento, fede, polui o ambiente. É horrível. Pum é coisa de homem. Mulher não
pode ser assim. Não combina. Tinha que ter outro jeito pra vocês expelirem isso.
Mulheres são lindas, cheirosas, maravilhosas. A Scarlett Johansson, por exemplo.
Não consigo imaginar a Scarlett Johansson soltando pum.
- E por que
tem que ser a Scarlett Johansson, Jair?! Por que não eu?
- Ora,
porque você já soltou pum na minha frente, né? Acabou de soltar,
lembra?
- E que
história é essa de pensar na Scarlett Johansson?!
- Ana, não
muda de assunto. Estamos falando do seu pum.
- Mas eu
não quero falar do meu pum! O pum é só meu, caramba!
- Se o pum
é só seu, então por que você dividiu comigo?! Quando casamos, o padre falou “na
alegria e na tristeza, na saúde e na doença”. Não disse nada sobre
puns.
- Como você
é grosso, Jair. Já disse que foi sem querer. Escapou! Acontece, droga. E a culpa
também foi sua.
- Minha?!
Você soltou um pum enquanto a gente estava transando e a culpa foi
minha?!
- Claro que
foi sua! Eu falei que não queria comer aquela feijoada no almoço. Mas você
insistiu. E tem mais! Foi o seu peso em cima de mim que pressionou a minha
barriga. Não pude evitar. Se pelo menos você não fosse tão gordo... e o padre
também não falou nada sobre aguentar um gordo me
espremendo.
- Não
acredito nisso, Ana. Você já inverteu a história toda. Agora o problema é o
gordo aqui?! Até parece que fui eu o autor do atentado terrorista. Você sabia
que o Tratado de Haia proíbe o uso de armas químicas?!
- Ai, Jair!
Chega! Cansei de tanta bobagem. Agora quem broxou fui eu. Vou pro chuveiro.
Cinco
minutos depois, o Jair se arrepende de todo aquele
escândalo.
- Aninha? –
começa ele, da cama.
- O que é?!
– ela grita, ainda no banheiro.
- Olha, me
desculpa, vai? Eu sou um bruto mesmo. Nada a ver esse escândalo todo que eu fiz.
É que fiquei meio surpreso, sabe? Pô, doze anos de casamento e nunca vi você
fazer isso. Acho que foi o susto. Mas já passou. Estou arrependido,
amor.
- Hum...
- Eu sei
que é uma coisa natural e que pode acontecer com qualquer casal. Faz parte da
vida a dois. E você tem razão. Não passou de um punzinho à toa. Nada demais.
Olha, tá tudo bem. Não vamos estragar a nossa noite por causa deste pequeno
incidente. Me desculpa, de verdade.
- Sei...
- Bom, que
tal se eu abrir aquele vinho e a gente tentar de novo, hein? E se eu for aí no
chuveiro te dar uns beijinhos nessa bundinha linda... – e o Jair começou a se
dirigir para o banheiro.
-Não!
Para! Não vem pra cá, Jair! Nem pense nisso. Fique longe de mim! Se você entrar
no banheiro, vai se arrepender.
- Calma,
querida. Já pedi desculpas. Não precisa ficar assim. Pra quê essa raiva toda? Só
quero fazer um...
- Não
entra, Jair! Por favor! Fique do lado de fora!
Tarde
demais. O marido já tinha aberto a porta do banheiro. E quase imediatamente teve
o nariz invadido.
-Meu Deus,
Ana! Não acredito! De novo?! Que horror! Estou
sufocando...
- Para,
Jair! Sai daqui! Vai embora!
- Mayday!
Mayday! Pelotão, recuar! O inimigo possui armas de destruição em massa! Mayday!
Mayday!
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