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domingo, 9 de setembro de 2012

PRIMEIROS PASSOS

Por João Paulo da Silva
 
 
Outro dia, li na internet que cientistas da Universidade de Liverpool resolveram olhar novamente antigas pegadas na Tanzânia e descobriram que um dos nossos ancestrais mais primitivos, o Australopithecus afarensis, já andava de pé, completamente ereto, assim como o homem moderno. Pesquisas anteriores mostravam que essa característica teria surgido apenas nos primeiros Homos, há 1,9 milhões de anos. Agora, já se sabe que a história não caminhou bem por aí. Ok. E que importância tem essa descoberta? Bom, tem muita, porque os pesquisadores acreditam que a forma ereta de caminhar foi determinante para que nossa espécie saísse da África e ganhasse o mundo. “Sebo nas canelas! Pernas para que te quero!”, devem ter dito na época. Ao modo deles, é claro.
 
O feito do Australopithecus ocorreu há cerca de 3,7 milhões de anos, mas parece que foi ontem. De certo modo, é como se estivéssemos sempre dando os primeiros passos na vida e descobrindo, encantados, aonde nossas pernas podem nos levar. Cruzamos cidades, países, continentes. E em breve estaremos cruzando planetas. Pernas foram feitas para caminhar. Nós entendemos bem o conceito e demos extensões a elas. Extensões que nos levaram a lugares que nem mesmo o mais avançado Australopithecus poderia imaginar. E pensar que tudo isso começou com um primitivo e primeiro passo em pé, ereto. Era nisso que eu estava pensando quando vi meu filho, de apenas dez meses, repetir pela primeira vez a conquista de nossos antepassados, numa reprise da aurora da humanidade.
 
Os primeiros passos de pé de um bebê marcam o início da autonomia. Caminhar dá a ele a chance de transpor limites. É diferente das demarcações de engatinhar. Engatinhar é rastejar-se. E rastejar não tem nada a ver com autonomia. É bonitinho nos bebês, mas é pouco para uma espécie que já pisou na lua. Fico imaginando o que passou na cabeça do meu filho no instante em que conseguiu equilibrar-se sobre as suas duas e ainda frágeis pernas e dar os primeiros passos. Difícil dizer. Difícil até dizer se pensou em algo, diante de tanto deslumbramento. Mas posso fazer conjecturas sobre o que vi em seu rosto, como aquela mistura do medo de cair e a vontade de seguir andando. Típica característica da coragem humana. A ousadia comum dos que se lançam ao desconhecido.
 
Caminhar não é fácil, e meu filho aprendeu isso da única forma possível. Caiu, levantou, voltou a cair, chorou, ergueu-se outra vez. Apoiou-se nas paredes, nos meus braços e tentou novamente. Não desistiu porque sabia que estava próximo. Os primeiros passos foram inseguros, desequilibrados, mas obstinados. A cada avanço sozinho, um triunfo, um sorriso. Por isso, quando conseguiu, era como se quisesse dizer: “Olha, pai, o que eu sei fazer!”. Estava alegre e orgulhoso de si mesmo. Já confiante e mais equilibrado, parecia um daqueles navegadores do século XV, cheios de altivez por cruzarem os oceanos em barquinhos de madeira. Achou que estava pronto e descuidou-se. Acabou caindo de novo, provando que a empáfia é um dos maiores obstáculos para quem deseja ir muito longe. Mas ele terá tempo para aprender.
 
Agora, depois de andar, começa a fase da correria. A dele e a minha. Porque, como todos sabem, há um estranho mistério no universo que é responsável pela implacável atração magnética existente entre as quinas das coisas e a cabeça das crianças. Vou precisar de pernas novas.

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