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segunda-feira, 20 de fevereiro de 2012

OS CHATOS

Por João Paulo da Silva


Você sabe quem eles são. Com certeza já cruzou com muitos por aí. Eles estão por toda a parte, em todos os lugares. Na fila do banco, dentro do ônibus, no trabalho, numa roda de amigos. Parecem uma praga; se reproduzem tão rápido quanto as moscas. Mas, infelizmente, vivem bem mais do que 30 dias. Talvez você próprio seja um deles. E o pior: provavelmente ainda nem se deu conta disso. Os chatos andam pelo mundo, perturbando a nossa vida, interrompendo os breves momentos de sossego, ou até mesmo aprofundando o estresse diário de todos nós. Os chatos são tão chatos que deveriam integrar a tabela periódica. Estão tão impregnados na sociedade que mereceriam um estudo científico; preferencialmente um que revelasse como eliminá-los. Há chatos de todos os tipos, de vários segmentos sociais. Entretanto, por uma razão óbvia, não vou ficar aqui citando cada um dos espécimes que existem. Isso, por si só, já seria muito chato. Portanto, escolhi algumas das categorias de chatos que mais me incomodam. Vamos a elas.
Seja na fila quilométrica do banco ou dentro do ônibus, você com certeza vai encontrá-lo algum dia. O chato tagarela é tão comum quanto o bêbado chato. A grande diferença é que o primeiro não precisa encher a cara para disparar a matraca. O que já é um agravante. O problema do chato tagarela é que ele sempre aparece no momento em que você no quer conversa com ninguém. Às vezes porque perdeu o emprego, teve o salário roubado, não sabe como vai pagar as contas ou simplesmente porque prefere ficar em silêncio. Sabe aquelas ocasiões na vida em que você não daria papo nem mesmo para a Gisele Bündchen ou a Scarlett Johansson? Pois é. É aí que ele aparece. Talvez se fosse a Natalie Portman você ainda dissesse um “oi, tudo bem?”. Mas nada mais do que isso.
No ônibus ou na fila do banco, diz o chato tagarela:
- Rapaz, hoje tá quente demais, não é?
- Unhum... – você responde e sorri sem mostrar os dentes. Primeiro sinal de quem não quer conversar.
- Ultimamente, o mundo tá parecendo um forno. A gente bem que podia trabalhar de cueca.
- ... – você não diz nada. Mas ele ignora o seu silêncio e insiste.
- Deve tá fazendo o quê hoje, uns 39 graus?
Você apenas dá de ombros e balança a cabeça para dizer que não faz ideia. Põe os fones de ouvido e pensa: “Quem sabe agora ele se toca.”.
- Pois é, meu amigo. Só ouvindo uma musiquinha mesmo pra relaxar com esse calor.
- ... – dessa vez, você só vira os olhos para ele, sem dizer nada.
- Sabe de uma coisa? Esse tal de aquecimento global ainda vai matar muita gente. Problemão sério, rapaz.
- ... – agora, você nem olha mais.
- Depois dizem que o mundo não tá se acabando. Só Deus mesmo pra nos salvar. Não é verdade?
- É... – você diz, num esforço sobrenatural. Desesperado, abre um livro e deseja: “Me deixe em paz, chato!”.
Mas o chato tagarela nunca se manca.
- Ahhh, você gosta de ler? É um bom hábito. Mas eu mesmo só consigo ler em silêncio, concentrado. Assim, num lugar desses, com barulho e gente conversando, não há condições. A propósito, que livro é esse?
Aí você desce do ônibus em qualquer parada ou desiste de pagar as contas.
O chato que fala te cutucando também é uma figura bastante comum. Além de falar demais, o que já é insuportável, ele não para de meter o dedo em você. A todo o instante, como que para chamar a atenção, esse tipo de chato te cutuca em vários lugares. Na barriga, no peito, no braço. Durante uma conversa, talvez não haja sensação física mais desagradável (depois do mau hálito) do que alguém falando e te tocando ao mesmo tempo. “Ei, escuta essa.”. E tome cutucada. “Tá ouvindo?”. E mais cutucada. Um horror. Acho que falar e tocar simultaneamente uma pessoa são ações permitidas em apenas duas circunstâncias. Quando estamos namorando ou fazendo sexo. Aí vale tudo, desde que consentido, claro. Tocar, falar, conversar, cutucar. Principalmente, cutucar. Entretanto, muita atenção! O excessivo ato de evitar o contato humano pode resultar em outra categoria de gente intolerável, que é o chato não me toque. Normalmente, um tipo cheio de frescura. De não me toque mesmo.
Pior do que o chato que conversa cutucando é o chato pseudo-intelectual. Aquele que vive se gabando dos livros que já leu e ainda te condena por não ter lido os mesmos livros. O chato pseudo-intelectual acha que sempre está à frente dos outros, que é o último baluarte da cultura universal. Ele tem certeza absoluta de que já leu mais livros do que qualquer outra pessoa no mundo. É um esnobe que não merece piedade.
Uma situação, na saída da faculdade:
- Cara, semana passada eu estava lendo Os Mandarins, da... – você não termina a frase. O chato interrompe.
- Da Simone de Beauvoir. Eu sei. Já li. Há muitos anos. É uma boa distração para o fim de semana. Mas... sei lá. Acho que você precisa ler algo mais denso. Já leu Albert Camus? L’homme révolté, ou O homem revoltado, se preferir em português.
- Não, nunca li nada dele. Como é mesmo o nome? Camões do quê?
- Camus. Albert Camus. Você não conhece?! Que absurdo! Sacrilégio! Em que mundo você vive afinal?!
- E você por acaso conhece Maurício de Sousa?! Já leu toda a coleção da Mônica, por exemplo?!
- Não. – admite o ignorante.
- Então não me venha falar desse tal de Camões! Ora, vejam só. Nunca leu a Mônica. Que blasfêmia!
E você encerra a conversa. O chato pseudo-intelectual só precisa dele mesmo.
Já o chato que fala difícil é uma variante do chato pseudo-intelectual. Em geral, não passa de um arrogante burro. Confunde riqueza de vocabulário com linguagem rebuscada. Insiste em complicar a comunicação, que deveria ser algo absolutamente simples, só para exibir um conhecimento adquirido no Aurélio. Esse tipo de chato pode ser identificado rapidamente. Basta que ele abra a boca. Quase sempre começa uma frase afirmativa com a palavra “indubitavelmente” e, de alguma forma, acaba enfiando um “holisticamente” no meio. Mas, na maioria das vezes, o chato que fala difícil gosta de apelar para estrangeirismos e expressões em latim. Usa status quo ao invés de situação atual. Prefere condição sine qua non a circunstância indispensável. Establishment a elite política. E abusa muito do feedback, quando simplesmente deveria dizer retorno.
Não há nada mais pedante do que alguém que diz:
- O status quo na Europa vive um momento complicado, cujas transformações históricas dependem de uma condição sine qua non. Enquanto isso, o Establishment britânico permanece imóvel, aguardando um feedback da Alemanha.
Por favor, um saquinho de vômito. Rápido!
Há uma infinidade de tipos de chatos. Com alguns, até é possível ter certa relação civilizada, mantendo uma distância mínima de trezentos metros. Para outros, só nos resta o recurso da barbárie. Pensei nisso na semana passada, quando descobri uma nova categoria de chato. O chato do mau agouro. Eu estava no trabalho no momento do ataque.
- Não consigo trabalhar com essa dor de cabeça. Tá me matando. – eu reclamei.
- Quer um comprimido? Eu tenho um aqui comigo. – disse o chato.
- Puxa. Quero sim. Obrigado. Vai me quebrar um galho.
- Mas, olha, se não passar a dor, é melhor procurar logo um médico.
- Por quê? Por causa de uma enxaqueca?
- Sei lá. Pode ser um aneurisma.
Cazuza tinha razão. Não há perdão para o chato.

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