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segunda-feira, 9 de janeiro de 2012

PRA FRENTE, BRASIL

Por: João Paulo da SilvaDia normal no Brasil. Dois velhos conhecidos tomam café da manhã numa padaria. O assunto não poderia ser outro. Conversam sobre o “novo” momento econômico e político do país.
- Viu ontem o jornal? Já não somos mais os primos pobres no mundo.
- Não? Por quê? O povo ganhou na mega-sena por acaso?!
- Não, nada disso. É que agora somos a sexta maior economia do mundo, rapaz! Nosso PIB chegou a 2,51 trilhões de dólares. Ficamos na frente até do Reino Unido! Não é fantástico?!
- Sim, claro que é. Como também é fantástico o Brasil ter 16 milhões de miseráveis, mesmo sendo o sexto país mais rico do mundo.
- Ahhhh, não seja injusto. Vai dizer que as coisas não estão melhores?! A economia está crescendo, as pessoas comprando mais, o Bolsa Família dando certo. Você não vai me dizer que o Bolsa Família não está dando certo, vai?
- Se você acha mesmo que o Bolsa Família é a salvação da lavoura, então por que não troca o seu emprego pelo programa e vai viver com R$ 200?! Vai lá, esperto. As pessoas precisam é de emprego e bons salários, não de mixaria.
- Também não é assim. Não precisa radicalizar. Com calma, tudo vai se ajeitando. Veja, por exemplo, o salário mínimo. Já pra esse ano a Dilma deu um aumento de 14%. Agora o salário é de R$ 622.
- Sei. Só tá meio longe do valor que a Constituição prevê, né? Se a lei que beneficia o trabalhador fosse cumprida, o salário já deveria estar em mais de R$ 2.300. Isso só para garantir as necessidades mais básicas. Ora, se o meu país é a sexta maior economia do mundo, por que o salário mínimo não pode ser, pelo menos, o sexto maior do mundo?
- Calma. Tudo ao seu tempo. Tem que esperar o bolo crescer.
- O problema é que esse bolo vem crescendo há séculos, e nada de mandarem pra gente os melhores pedaços. Até agora só comi os farelos. Todos os governos deste país só tiveram uma coisa boa.
- O quê?
- Terminaram.
- Não diga isso. Não seja tão cruel assim. Olhe aí a saúde. A distribuição de remédios gratuitos contra a hipertensão aumentou mais de 200% no ano passado.
- E tem mais é que distribuir mesmo! Cada política que o governo adota é um infarto que a gente sofre! E não vem com esse papinho de que a saúde pública melhorou, não, tá?! Se o SUS funcionasse direito, o Lula teria ido tratar o câncer dele lá.
- E tomar a vaga de alguém do povo?! Ah, o que é isso, cara?! Sejamos racionais.
- Claro. Sejamos racionais, sim. Da mesma forma que o Lula foi, quando não quis ser um dos 58 mil brasileiros que não conseguiram fazer radioterapia na rede pública, só no ano retrasado. Ou ainda uma das 80 mil pessoas que deixaram de realizar cirurgias de câncer exigidas pelos médicos. Médicos que, inclusive, estão cada vez mais em falta na saúde pública. Você sabia que o SUS tem quatro vezes menos médicos do que a rede privada?
- Sério?
- É. É sério, sim. O que não é sério é você ficar me falando que a saúde pública está melhor. Acorda, mané!
- Certo. Tudo bem. Mas e a educação? A educação pública você não pode dizer que não teve avanços. Agora o negócio virou prioridade, meu caro. É instituto federal de ensino em todos os cantos do país, rapaz. Só não estuda quem não quer. E digo mais. Vamos entrar de vez na era da tecnologia digital. É a educação à lá Steve Jobs. Só esse ano, o governo já está programando a compra de 300 mil tablets para alunos da rede pública. E a meta é que cada estudante de escola pública tenha um aparelho.
- Você sabe o que é um tablet?
- Claro que sei. É um dispositivo assim, meio em forma de prancheta, que serve para acessar internet, ver fotos e vídeos, ler livros, jornais, revistas...
- Não, não é isso, não. Tablet é o que você merece levar nessa sua cara, só pra deixar de ser besta. Como é que a educação pública pode ser prioridade num país que tem mais de 14 milhões de analfabetos, professores mal remunerados, escolas caindo aos pedaços e sem merenda? Você só pode ser um brincalhão. Tem escola que não sabe nem mesmo o que é luz elétrica e água encanada.
- Ah, mas assim fica difícil demais. Pra você as coisas nunca estão boas. Só consegue ver o copo meio vazio.
- Eu mesmo, não. Pra começo de conversa, eu não tô vendo nem o copo, meu amigo.
- Olha aí! Desse jeito não tem condições. Parece mais um mau agouro. Vai dizer também que você não viu avanços no Brasil com o programa Minha Casa, Minha Vida? No ano passado, a Dilma anunciou a construção de mais dois milhões de casas. É ou não uma coisa boa?
- Em um país com um déficit habitacional de mais de sete milhões de moradias e com 11 milhões de favelados?! Eu acho é muita cara de pau falar em dois milhões de casas. Sem contar que a maioria dessas construções é em condomínio de luxo, né? Moradia popular é a minoria.
- Mas numa coisa você tem que concordar comigo.
- No quê?
- No cenário internacional, o Brasil hoje ocupa uma posição de destaque. A Dilma, além de ser a primeira presidenta da história do país, foi também a primeira mulher a abrir a Assembleia Geral da ONU.
- Grande coisa. Do que adianta ser a primeira nisso tudo daí, se o país ainda ocupa a 84ª posição no Índice de Desenvolvimento Humano? Estamos atrás até mesmo da Bósnia, da Venezuela e do Peru.
- Ok. Tudo bem. Desisto. Mas acho que você deveria ser mais otimista com o país. Afinal, nós vamos sediar a Copa e as Olimpíadas. Agora a gente vai pra frente!
- Só se for pra frente do estádio vender cachorro quente. Porque entrar pra ver o jogo não vai ter como. Primeiro que eu não tenho R$ 1.500 pra pagar num ingresso de jogo de futebol. E segundo que, ao contrário de dinheiro, eu ainda tenho juízo. Nunca pagaria um valor desses pra ver essa seleção jogar. Hoje, nem no futebol dá pra dizer “pra frente, Brasil!”.
- Sempre soube que você era um pessimista.
- Pode até ser. Mas já ouvi alguém dizer que um pessimista é só um otimista bem informado. Agora, me faz um favor. Me avisa quando esse governo resolver dividir o bolo da sexta maior economia com a gente, tá? Bom dia pra você.

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