Recentemente entrou em vigor em todo o território nacional o 6º Código de Ética Médica. A sua última edição datava de 1988 e não contava com assuntos como manipulação genética, nem tampouco era enfático o suficiente no tema da autonomia de escolha do paciente.
Mas privando-nos um pouco do detalhamento sobre as inovações do código, amplamente difundido na internet, nos preocupamos nesse artigo com relação ao código de ética no contexto ético da sociedade atual.
Parafraseando Rui Barbosa, vivemos em uma era em que o homem chega a desanimar-se da virtude, a rir-se da honra e a sentir vergonha de ser honesto.
As virtudes se tornaram atributo dos tolos, ou no máximo um adorno para suavizar nossas verdadeiras intenções.
Sim, virtudes. São tão poucas as pessoas e instituições que buscam, sinceramente, o cultivo da virtude dentro do homem, que acreditam na virtude como o remédio das enfermidades sociais e que trabalham para curá-las, que não me espantaria se alguém questionasse o que tem a ver o Código de Ética Médica com virtudes.
Pois para a filosofia à maneira clássica, esse é o alicerce único sobre o qual se desenvolve qualquer estatuto que verdadeiramente busque como fim a ética em seu sentido mais profundo.
Kant, filósofo alemão do século XVIII, afirmava que nada é bom em si mesmo se a vontade humana que o engendra não for boa, isto é, se a força que o move não for virtuosa. Como assim? Podemos usar uma faca tanto para cortar um pedaço de pão, quanto para matar um homem; a energia atômica, nas mãos de um bom governante, pode gerar maravilhas abastecendo cidades; já nas mãos de um lunático, pode destruí-las num instante.
Se procurarmos no Aurélio o conceito das palavras ética e moral, encontraremos que a ética está relacionada ao juízo de apreciação, isto é, ao pensamento do que seria certo ou errado, referindo-se ao aspecto teórico da conduta humana; já a moral estaria ligado a um conjunto de hábitos e regras considerados aceitáveis pela sociedade, referindo-se ao aspecto prático da mesma conduta humana.
Entretanto, se buscarmos a etimologia dos termos, tanto Ethos, do grego, quanto Morus, do latim, têm o mesmo significado: costumes.
Provavelmente, a distinção lingüística tenha se desenvolvido pela concepção que temos da cultura grega como sendo intelectual e filosófica e da cultura romana, como prática e expansionista.
No entanto, nenhum sábio da humanidade jamais se vangloriou por ter concepções intelectuais diferentes de suas ações cotidianas. A forma como nós agimos no nosso dia-a-dia deveria ser o mais próximo possível daquilo que acreditamos. O que é bastante natural: quem acredita nas palavras de um religioso que sabe a bíblia de cor, mas não busca vivê-la? Ou num filósofo que é pós-doutor em ética, mas não a pratica?
Para os antigos gregos, o homem era formado por três esferas: o pensamento, o sentimento e a ação, e da entre esses três mundos dependeria a felicidade humana.
Hoje em dia, nos vangloriamos por pensarmos de um jeito, termos “vontade” de fazer as coisas de outro, mas , por fim, agirmos de uma terceira forma, de acordo com o que as circunstâncias exigem. E plantamos com essa incoerência, dia-a-dia, sementes para transtornos de ansiedade e depressão...
Uma bela escultura, cujo autor desconheço, mas que pode ser facilmente encontrada na internet, mostra a estátua de um homem, lapidado apenas da cintura para cima, e lapidando-se da cintura para baixo. Para Platão, seria justamente esse o sentido da educação: eduzir de dentro do homem o melhor que ele possui, construindo, lapidando seres humanos que tenham como guia as virtudes, subjugando os desejos ao papel de dominados e não de dominadores.
E como haveria de ser diferente? Se quero construir um muro de pedras, preciso, acima de tudo, de pedras; se quero construir uma sociedade justa, preciso de homens justos. O cimento e a areia são necessários, mas só as pedras são fundamentais. E quem constrói homens justos na sociedade hoje em dia?
Somente com educação podemos quebrar esse ciclo vicioso: de que adianta derrubar o governador corrupto de um estado se aquele que entrará em seu lugar, como 2 e 2 são 4, rouba tanto quanto ele e, pior ainda, é inteligente o suficiente para fazer escondido?
Andar em círculos não é andar. Passar a vida inteira lutando contra os galhos não é a atitude mais produtiva. A raiz dos problemas sociais está bem firme no solo do próprio homem, seja ele o político que rouba e não permite que o dinheiro chegue aonde deveria, seja o profissional mais preocupado em dormir do que em atender bem a um ser humano que sofre.
E o melhor termômetro para se provar que as virtudes são próprias do ser humano é a felicidade que delas advém. Se os deuses existem, eles foram bastante generosos ao criar a dádiva da sensação do dever cumprido, do sono dos justos e do gratificante descanso após se ter trabalhado segundo as virtudes.
Não foi à toa que Aristóteles bem o afirmou: “A felicidade é a atitude da Alma dirigida pela Virtude.”
Nosso sistema educacional, por outro lado, insiste em seu modelo puramente tecnicista. Se não formamos seres humanos éticos, isto é, harmonizados internamente com valores e virtudes, como podemos exigir deles uma ação ética em qualquer profissão? Se somos formados por uma medicina desumana, como podemos exercê-la de modo humano?
Na contramão de todas as campanhas de Humanização do Trânsito, Humanização do SUS, ou de qualquer outra esfera da sociedade que necessite de ser humanizada, Madame Blavatski afirmava no século XIX: “Humaniza o homem e todo o mais será humanizado”.
Um código de ética pode servir como uma bengala, enquanto não somos profissionais éticos por essência; mas se quero construir e ver nascer uma sociedade mais justa e ética, que eu seja a mudança que quero ver no mundo, lapidando-me dia-a-dia segundo os valores e virtudes mais elevados que o homem pode conceber.
Paulo Tarcísio Neto
Instrutor de Nova Acrópole, Escola de Filosofia à Maneira Clássica
Acadêmico de Medicina da UFRN
paulo_tarcisio@hotmail.com
acropolenatal@gmail.com
Mas privando-nos um pouco do detalhamento sobre as inovações do código, amplamente difundido na internet, nos preocupamos nesse artigo com relação ao código de ética no contexto ético da sociedade atual.
Parafraseando Rui Barbosa, vivemos em uma era em que o homem chega a desanimar-se da virtude, a rir-se da honra e a sentir vergonha de ser honesto.
As virtudes se tornaram atributo dos tolos, ou no máximo um adorno para suavizar nossas verdadeiras intenções.
Sim, virtudes. São tão poucas as pessoas e instituições que buscam, sinceramente, o cultivo da virtude dentro do homem, que acreditam na virtude como o remédio das enfermidades sociais e que trabalham para curá-las, que não me espantaria se alguém questionasse o que tem a ver o Código de Ética Médica com virtudes.
Pois para a filosofia à maneira clássica, esse é o alicerce único sobre o qual se desenvolve qualquer estatuto que verdadeiramente busque como fim a ética em seu sentido mais profundo.
Kant, filósofo alemão do século XVIII, afirmava que nada é bom em si mesmo se a vontade humana que o engendra não for boa, isto é, se a força que o move não for virtuosa. Como assim? Podemos usar uma faca tanto para cortar um pedaço de pão, quanto para matar um homem; a energia atômica, nas mãos de um bom governante, pode gerar maravilhas abastecendo cidades; já nas mãos de um lunático, pode destruí-las num instante.
Se procurarmos no Aurélio o conceito das palavras ética e moral, encontraremos que a ética está relacionada ao juízo de apreciação, isto é, ao pensamento do que seria certo ou errado, referindo-se ao aspecto teórico da conduta humana; já a moral estaria ligado a um conjunto de hábitos e regras considerados aceitáveis pela sociedade, referindo-se ao aspecto prático da mesma conduta humana.
Entretanto, se buscarmos a etimologia dos termos, tanto Ethos, do grego, quanto Morus, do latim, têm o mesmo significado: costumes.
Provavelmente, a distinção lingüística tenha se desenvolvido pela concepção que temos da cultura grega como sendo intelectual e filosófica e da cultura romana, como prática e expansionista.
No entanto, nenhum sábio da humanidade jamais se vangloriou por ter concepções intelectuais diferentes de suas ações cotidianas. A forma como nós agimos no nosso dia-a-dia deveria ser o mais próximo possível daquilo que acreditamos. O que é bastante natural: quem acredita nas palavras de um religioso que sabe a bíblia de cor, mas não busca vivê-la? Ou num filósofo que é pós-doutor em ética, mas não a pratica?
Para os antigos gregos, o homem era formado por três esferas: o pensamento, o sentimento e a ação, e da entre esses três mundos dependeria a felicidade humana.
Hoje em dia, nos vangloriamos por pensarmos de um jeito, termos “vontade” de fazer as coisas de outro, mas , por fim, agirmos de uma terceira forma, de acordo com o que as circunstâncias exigem. E plantamos com essa incoerência, dia-a-dia, sementes para transtornos de ansiedade e depressão...
Uma bela escultura, cujo autor desconheço, mas que pode ser facilmente encontrada na internet, mostra a estátua de um homem, lapidado apenas da cintura para cima, e lapidando-se da cintura para baixo. Para Platão, seria justamente esse o sentido da educação: eduzir de dentro do homem o melhor que ele possui, construindo, lapidando seres humanos que tenham como guia as virtudes, subjugando os desejos ao papel de dominados e não de dominadores.
E como haveria de ser diferente? Se quero construir um muro de pedras, preciso, acima de tudo, de pedras; se quero construir uma sociedade justa, preciso de homens justos. O cimento e a areia são necessários, mas só as pedras são fundamentais. E quem constrói homens justos na sociedade hoje em dia?
Somente com educação podemos quebrar esse ciclo vicioso: de que adianta derrubar o governador corrupto de um estado se aquele que entrará em seu lugar, como 2 e 2 são 4, rouba tanto quanto ele e, pior ainda, é inteligente o suficiente para fazer escondido?
Andar em círculos não é andar. Passar a vida inteira lutando contra os galhos não é a atitude mais produtiva. A raiz dos problemas sociais está bem firme no solo do próprio homem, seja ele o político que rouba e não permite que o dinheiro chegue aonde deveria, seja o profissional mais preocupado em dormir do que em atender bem a um ser humano que sofre.
E o melhor termômetro para se provar que as virtudes são próprias do ser humano é a felicidade que delas advém. Se os deuses existem, eles foram bastante generosos ao criar a dádiva da sensação do dever cumprido, do sono dos justos e do gratificante descanso após se ter trabalhado segundo as virtudes.
Não foi à toa que Aristóteles bem o afirmou: “A felicidade é a atitude da Alma dirigida pela Virtude.”
Nosso sistema educacional, por outro lado, insiste em seu modelo puramente tecnicista. Se não formamos seres humanos éticos, isto é, harmonizados internamente com valores e virtudes, como podemos exigir deles uma ação ética em qualquer profissão? Se somos formados por uma medicina desumana, como podemos exercê-la de modo humano?
Na contramão de todas as campanhas de Humanização do Trânsito, Humanização do SUS, ou de qualquer outra esfera da sociedade que necessite de ser humanizada, Madame Blavatski afirmava no século XIX: “Humaniza o homem e todo o mais será humanizado”.
Um código de ética pode servir como uma bengala, enquanto não somos profissionais éticos por essência; mas se quero construir e ver nascer uma sociedade mais justa e ética, que eu seja a mudança que quero ver no mundo, lapidando-me dia-a-dia segundo os valores e virtudes mais elevados que o homem pode conceber.
Paulo Tarcísio Neto
Instrutor de Nova Acrópole, Escola de Filosofia à Maneira Clássica
Acadêmico de Medicina da UFRN
paulo_tarcisio@hotmail.com
acropolenatal@gmail.com
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